JACAREPAGUÁ NUNCA FOI TERRA DE NINGUÉM
- Leonardo Soares dos Santos

- 28 de set.
- 3 min de leitura
A ideia de que a região de Jacarepaguá dormitava esquecida durante boa parte do século XX é errônea. Tal afirmação nunca correspondeu à realidade. Na verdade, ela tinha mais a ver com uma visão elitista sobre a região, muito difundida pela imprensa carioca e assimilada acriticamente por muita gente que se dedicou a estudar a região ao longo dos anos.
Tal versão acabou sendo muito útil a frações dessa mesma elite, na medida em que, ocultava a verdadeira corrida de vários membros da burguesia local em abocanhar – de maneira escusa, na maioria dos casos – largas parcelas do território para fins econômicos. E tal apropriação se dava em prejuízo dos direitos estabelecidos de muitas famílias de pequenos lavradores e pescadores, muitos deles tendo seus antepassados se estabelecido ali desde tempos imemoriais.
Era também conveniente por tentar impedir que o público da cidade do Rio tivesse conhecimento dos conflitos e das violências que ceifaram vidas e esperanças de muitos pobres que viviam ali. Jacarepaguá nunca foi um vazio. As suas terras sempre foram alvo da apropriação de membros da classe senhorial e escravagista desde os tempos coloniais. O território nunca foi visto por esses agentes como uma região menor. Pelo contrário, ali estabeleceram unidades altamente produtivas, dotadas de grandes vias de comunicação (explorando até mesmo lagos, lagoas e rios – muito melhor do que é feito hoje, por exemplo), e fazendo para isso, largo uso de mão de obra escravizada. As terras da região sempre foram monopolizadas, de maneira agressiva, sob controle rígido. Ai de quem questionasse. Basta ver o número de escravizados que aparecem como desaparecidos ou mortos nas várias fazendas da região ao longo do século XIX. Vale a pena também fazer uma busca de quantas pessoas foram mortas por questões de terra (e seguem sendo).

Mesmo com o fim da escravidão e com a “decadência” da agricultura da região, as terras seguem sob o controle das grandes famílias de proprietários no pós-1888, e elas vão retalhando progressivamente as suas fazendas. Novos loteamentos vão surgindo, e com eles novos sítios e núcleos urbanos – mas tudo ainda muito concentrado nas mãos dos poderosos. No século XX, a região se torna alvo de um duplo investimento. Alguns agentes de grande poder econômico e político veem nela a possiblidade de investir em terras para fins de veraneio, montando ali seus sítios para repouso de final de semana. Outros verão nela uma fonte de capital de fundiário, para fins especulativos. A terra aqui era visada para ser renegociada, vendida após um processo de valorização.
Tanto num como noutro caso, o vivo interesse tinha como fundamento alguns fatores: em primeiro lugar, há que se destacar a beleza do cenário: as florestas, os lagos e lagoas, praias encantadoras e pródiga fauna, e claro, a disponibilidade de terras. Se observarmos bem, a Baixada de Jacarepaguá era muito parecida como uma imensa planície, plana em boa parte, extremamente propícia e convidativa para imensos empreendimentos imobiliários. Tal área tinha todas as condições de abrigar os mais diversos tipos e modalidades de investimento do setor imobiliário: loteamentos urbanos, rurais, fábricas, centros comerciais, estádios de futebol, condomínios, clubes. Foi exatamente isso que o Plano Piloto da Barra da Tijuca, concebido por Lucio Costa, visava sintetizar.
Mas os planos de elite teriam que lidar com muita resistência. Não foi tão fácil assim a conquista daquelas terras. Os conflitos dos anos 50 em diante seriam emblemáticos. Escreveremos sobre isso no próximo artigo.






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