TERRA E DITADURA MILITAR-EMPRESARIAL EM JACAREPAGUÁ: A LEITURA DE UM IMPORTANTE DOCUMENTO DO DOPS
- Leonardo Soares dos Santos
- 1 de set.
- 3 min de leitura
Atualizado: 2 de set.
Para quem ainda considera que a Golpe Militar-Empresarial de 1964 e a ditadura que se seguiu - e que durou até 1985 – não teve nada a ver com luta de classes (e olha que há muita gente que pense assim, inclusive no campo da esquerdas) ignora o que se passou tanto no âmbito do movimento sindical (urbano e rural) quanto no dos movimentos por terra, só para ficar em alguns exemplos. Quanto a este último, a Ditadura dos generais fez uma opção muito clara por beneficiar fazendeiros e latifundiários, e toda sorte de setores do capital ligados a grande propriedade, por meio de empréstimos ilimitados, benefícios e isenções fiscais, repressão dos sindicatos de trabalhadores, prisão e extermínio de lideranças, cessões de terras.
A política para o campo adotada a partir do Golpe de 1º de abril foi impiedosa com os trabalhadores e trabalhadoras do campo: era preciso bloquear qualquer caminho que levasse à Reforma Agrária e, em paralelo, todo empenho foi direcionado para massacrar o movimento dos trabalhadores assalariados. E tal política foi implantada em todo o território nacional.
Inclusive em Jacarepaguá. Em meados dos anos 60, o território, além de amplamente agrícola, era palco de diversos conflitos por terra envolvendo posseiros e arrendatários. Desde os anos 40 tais disputas contaram com o envolvimento de vários grupos políticos, principalmente comunistas. Até por isso, a polícia política viu o Golpe de 64 como uma oportunidade de ouro para afastar a influencia comunista da região e enquadrar definitivamente os grupos de pequenos lavradores.
Um documento produzido pelo DOPS em 1964 mostra que o aparato policial acompanhava com atenção o que se passava na Baixada de Jacarepaguá. Os conflitos gerados pelos atos de grilagem de terras na região eram notórios. A cobertura da imprensa sobre isso era farta. Só que ao invés de resolve-la, a Ditadura via na prática do grilo uma oportunidade de reprimir mais ainda os movimentos de pequenos lavradores pela posse da terra. Vejamos a íntegra do documento:
“O problema das propriedades na Baixada de Jacarepaguá está se tornando fato de segurança nacional, uma vez que um juiz Presidente de Junta de Conciliação e Julgamento da Justiça do Trabalho ligado a indivíduos que se intitulam altas patentes das Forças Armadas dão cobertura a verdadeira quadrilha que vem tentando por todos os meios esbulhar a posse, até então mansa e pacífica de inúmeros proprietários naquela zona, usando de violência, praticando crime de dano, ameaças de morte e inclusive, vendendo terrenos de propriedade alheia, o que só aconteceu, segundo nos parece, na corrida do ouro nos Estados Unidos da América do Norte (farwest) e na década de 20 em Chicago principalmente, onde o gangsterismo imperava, com a conivência, segundo relato históricos de políticos corruptos, o que não se admite em pleno centro turístico da cidade do Rio de Janeiro, às portas de uma Delegacia de Polícia, o que contraria todo o esforço de moralização que vem desenvolvendo o Movimento Revolucionário de 1964”.
O documento oficial associava, portanto, grilagem com conflitos sociais, e classificava todos como crime – e o que é mais grave: como questão de segurança nacional. Entendia a luta por terra como ato subversivo. A Ditadura demonstrava que faria tudo a seu alcance para reprimir violentamente qualquer tentativa de democratização das terras da Baixada de Jacarepaguá. Desde então o mapeamento de lideranças camponesas e comunitárias, o monitoramento do dia-a-dia de entidades de bairro e mais tênue suspeita de movimentos contestatórios pelo acesso à terra seriam violentamente reprimidas.
Jacarepaguá nunca esteve imune à Ditadura. Traremos mais capítulos dessa história nos próximos artigos.

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