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A "INDÚSTRIA DA INVASÃO" E A "POLÍTICA HEAVY METAL" DE REMOÇÃO DE FAVELAS NA BAIXADA DE JACAREPAGUÁ NA DÉCADA DE 1990

  • Renato Dória
  • há 23 horas
  • 5 min de leitura

Durante a década de 1970 a imprensa carioca publicava com frequência notas e reportagens abordando as favelas da Baixada de Jacarepaguá como um problema a ser resolvido pelo poder público. Os jornais Correio da Manhã e Jornal do Brasil alertavam para o que compreendiam como “proliferação fácil dos barracos” e situações de “desordens e irregularidades”.


Em 1984 o jornal Última Hora também alertava às autoridades ao pedir “cuidado com a favelização da Barra”, pois bem perto dali, na Via 9 (atual Salvador Allende), já se observava “12 construções ilegais”. Dois anos depois, o movimento S.O.S Barra/Jacarepaguá, apoiado pela associação comercial e industrial da região, apontava em seu levantamento a existência de 24 favelas na Baixada de Jacarepaguá. Deste total, 18 teriam surgido apenas na década de 1980.


A população da região também registrou aumento significativo entre as décadas de 1970 e 1980: a de Jacarepaguá passou de 220.995 para 314.535 e a da Barra da Tijuca de 6.312 para 45.906. A construção imobiliária no período também teve aumento expressivo, principalmente na região da Barra da Tijuca. No ano de 1989, a região teve, segundo a Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (ADEMI), 1.823 lançamentos residenciais e no ano de 1994, para o mesmo tipo de imóvel, 3.828 lançamentos contra 94 lançamentos comerciais. Acompanhando este aumento populacional e imobiliário das décadas de 1980 e 1990, também foram realizadas obras de infraestrutura: a duplicação das avenidas das Américas e Ayrton Senna e a construção da avenida Via Parque foi iniciada.


No ano de 1993 só a região da Barra da Tijuca registrava 34 favelas e se durante a expansão urbana das décadas de 1980 e 1990 na Baixada de Jacarepaguá o número de favelas também cresceu, isto sugere existir uma relação entre os processos de crescimento urbano na forma da construção imobiliária de alto padrão e a formação de favelas na região. Assim, o processo de urbanização da Baixada de Jacarepaguá começava a dar sinais de exclusão social: com a classe média e alta cercada por muros de condomínios e a população de baixa renda se aglutinando em inúmeras favelas horizontais às margens das lagoas e próximo a córregos.


Jornal das Comunidades
Jornal das Comunidades

Por outro lado, as disputas por terra envolvendo moradores de favelas, particulares, empresas imobiliárias e órgãos do poder público se expressaram em ações de despejos e de remoção cada vez mais frequentes e violentas. E a partir da década de 1990, o poder público municipal passou a ser o autor de ações de despejo e de remoção de favelas na Baixada de Jacarepaguá, se tornando um dos principais protagonistas das disputas por terra na região.


No ano de 1990, conforme noticiou o “Jornal do Brasil”, a prefeitura do Rio teve uma liminar cassada que determinava o despejo de mais de cem famílias posseiras num terreno às margens da lagoa da Tijuca, conhecido como favela Via Parque. O defensor público que representava os mais de 400 moradores alertou que a prefeitura agiu de má fé contra o judiciário ao omitir um laudo apontando que o impacto ambiental provocado pela favela era inferior, se comparado aos prejuízos ambientais causados pela Barra da Tijuca Imobiliária S. A., empresa que aterrava uma área contígua ao local ocupado pela favela para a construção de inúmeros prédios.


No ano seguinte, também noticiado pelo “Jornal do Brasil”, após derrubar dezenas de construções na favela Via Parque, a prefeitura enfrentou a resistência dos moradores que arremessaram pedras contra os tratores. A defensora pública que representava os posseiros chamava atenção para o fato de que a operação realizada pela prefeitura não poderia ter sido feita sem um mandado judicial. Os moradores da favela compreendiam que o enfrentamento contra a prefeitura seria difícil, pois a gestão municipal fazia vista grossa sobre ações de degradação ambiental e de valorização imobiliária da Carvalho Hosken, empresa construtora de imóveis com forte atuação na região.


Em fevereiro de 1993, a prefeitura determinou ao subprefeito da Barra e Jacarepaguá que avisasse aos posseiros da favela Via Parque que seriam desalojados e em seguida iniciou uma série de despejos e remoções de favelas com violência que “há muito não se via”, assim descrito no “Jornal das Comunidades” daquele período. Esse seria um dos exemplos do que o jornal “Tribuna da Imprensa” chamou de “política heavy metal” de enfrentamento contra supostos “invasores de terras alheias”. A violência dos despejos e remoções também colocou em rota de colisão a Prefeitura e o governo estadual, situação noticiada na ocasião pelo “Jornal do Brasil”.


O então prefeito César Maia acusava o governador do Estado Leonel Brizola de ser o principal “responsável pela criação da indústria da invasão”, pois ele negava a liberação da polícia militar para dar apoio aos funcionários da prefeitura em ações de despejo e remoção de favelas. Por sua vez, o governador respondia avisando que a liberação da polícia militar para aquela finalidade deveria obedecer “decisão judicial clara e específica”. Talvez teria sido esse um dos motivos da criação da Guarda Municipal pela prefeitura do Rio, no mês de março de 1993.


Em setembro do mesmo ano, o “Jornal do Brasil” noticiava que moradores da favela Vila Autódromo impediram uma ação da subprefeitura que pretendia cercar a área, cadastrar moradores, embargar obras e apreender materiais de construção. No mesmo ano, o jornal “Tribuna da Imprensa” noticiou que na favela Vila Marapendi, situada às margens do Canal de Marapendi, no Jardim Oceânico, a tentativa da Prefeitura em realizar despejos e demolir barracos acabou em confronto entre agentes da prefeitura e moradores, que resistiram ao despejo defendendo-se com paus e pedras.


Jornal Pé no Chão.
Jornal Pé no Chão.

Apesar da resistência dos moradores de favelas, o saldo desta “política heavy metal” de despejos foi a remoção completa das favelas Via Parque e Vila Marapendi e no lugar de ambas foram construídos parques e obras de paisagismo. No lugar da primeira foi construído o parque ecológico Mello Barreto e no lugar da segunda foi construído a praça Professor Souza Araújo e parte do estacionamento do shopping Downtown.


A primeira gestão municipal de César Maia (1993-1996) ficou conhecida por realizar amplos investimentos em infraestrutura urbana com os programas “Rio Cidade”, “Favela Bairro” e a construção da Linha Amarela. Além de continuar com as ações de embelezamento voltadas para a zona sul e Barra da Tijuca, como fez seu antecessor Marcelo Alencar (1989-1992) com o projeto “Rio-Orla”. É neste contexto que devemos situar a realização de ações de despejos e de remoção de favelas: removem-se os pobres e favelados para atender aos interesses de uma remodelação urbana elitista.


Os anos de 1980 ficaram marcados pelo aumento do número de favelas na Baixada de Jacarepaguá e teve como consequência a mobilização de grupos locais que passaram a atuar na imprensa carioca chamando a atenção dos governos locais, pois entendiam que a favelização da região era um problema. É possível que esta ação tenha sido um dos incentivadores da implementação da política agressiva de despejos e remoções de favelas pela administração municipal na década de 1990.


Assim, conflitos violentos entre moradores de favelas, agentes da prefeitura e empresas do setor imobiliário marcaram as disputas por terra na região. Esta foi uma característica marcante do processo de ocupação das terras da Baixada de Jacarepaguá nas últimas décadas do século XX.

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