MISTURA DE GENTE
- Pablo das Oliveiras

- 27 de set.
- 3 min de leitura
De lá pra cá... Daqui pra onde? Conto 5
- Kevin, lembra que eu te contei... que meu pai disse, de repente, “minha vó indígena” e depois ficou mudo...
- Hã... e daí?
- Eu fiquei pensando… Vó Dulce é preta… meu Vô Toninho é branco… mãe não é da cor da Vó Dulce nem da cor do Vô Toninho… e se meu pai for indígena, eu sou o quê?…
- Não sei... nunca pensei nisso…
- Isso não sai da minha cabeça... Na minha família tem gente preta e gente branca, que está sempre junta. Mas, se minha bisa é indígena e meu pai também, por que a gente nunca soube disso? Por que deixaram os indígenas fora do retrato da nossa família?
- Caramba Bebel! Que estranho... você vai escolher ser o quê, preta ou indígena?
- Não sei, mas acho que não é o caso de escolher… Pensa comigo… Sua avó conta histórias pra você, do tempo que ela era menina... e das coisas daquele tempo…
- Claro que conta, e diz assim: “antigamente, lá em Pernambuco”…
- Minha Vó Dulce fala igualzinho... ela conta de um jeito que eu me sinto dentro da história, mesmo sem ter vivido naquele tempo…
- Engraçado né?! Tem histórias que minha vó conta – cantando… fazendo o bolo de mandioca, que só ela sabe fazer, e eu adoro!
- Viu só, Kevin, não é só escolher ser preta ou ser indígena... mas também saber as coisas que são importantes para as pessoas indígenas e as pessoas pretas.
- Parece que você está num game, sendo desafiada a desvendar o mistério da sua origem, pra conquistar o seu poder…
- É mesmo, um desafio...

Meu Diário...
Hoje Vó Dulce veio lanchar aqui em casa. Ela chegou, me abraçou e disse: “como você cresceu”… Depois, mãe chamou a Vovó pra fazer a receita de pamonha com coco, que o pai adora e eu também. Mãe anotou tudo…
“Retire e lave a palha das espigas de milho, ferva e põe pra secar. Corte o milho de 12 espigas verdes, rente ao sabugo, bata no liquidificador; muna cuia misture a medida de 1 xícara de água; 2 de coco ralado; 2 de açúcar, uma pitada de sal e mexa bem, até não grudar na mão. Reparta a massa e amarre os montinhos com a palha do milho... coloque as pamonhas, uma a uma, numa panela com água fervente... A água precisa estar fervendo, caso contrário as pamonhas vão se desfazer. Cozinhe por 40 minutos, depois retire as pamonhas com uma escumadeira. Deixe esfriar em um local bem fresco.”
Eu fiquei olhando mãe e Vó conversando... Teve uma hora, que vovó passou a mão na minha cabeça, sorriu e perguntou: “que carinha pensativa é essa?” Aí, eu disse: “é uma coisa, Vó... E você pode dizer pra vovó, que coisa é essa... Bem... é assim: será que uma pessoa pode ser preta e ser indígena ao mesmo tempo?”
Vovó ficou pensando… Aí eu continuei: “assim, ó… a família da mãe é de um jeito e a família do pai é de outro…”
Daí, ela respondeu: “eu sei como é... isso é muito comum na nossa gente... Gente brasileira é toda misturada.” Era isso mesmo que estava no meu pensamento: “então uma pessoa pode ser preta e pode ser indígena?” Parecia que vovó estava pensando comigo... “Muita gente não gosta de estar nesse lugar: onde existe a mistura, metade assim, metade assado… Daí acaba decidindo ser uma ou outra coisa…” Aí, falei de repente: então, se escolher um, tem que esquecer o outro?... Eu não acho justo!... “Por quê? Explica pra vovó!”. “Ah! Uma pessoa pode ouvir e guardar a história de um e do outro, pra depois recontar acrescentado os acontecimentos do seu próprio tempo… Pode preparar a comida
de um e do outro pra ficar bem alimentado… cantando feliz a música do povo preto e do povo indígena, e rezando para os avós ancestrais de todos!”. “Essa menina, além de crescida, tá sabida como ela só! Dá um abraço na Vó Coruja que ama demais essa neta!”
Vó Dulce é muito maneira… Ela ficou comigo, até eu terminar a tarefa da escola.






Comentários