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  • Foto do escritorJane Nascimento

SILVIA BAPTISTA DIZ QUE NÃO HOUVE PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO DE REVISÃO DO PLANO DIRETO

Você sabe o que é o Plano Diretor da cidade do Rio de Janeiro?

É o debate sobre a cidade que queremos. E a população deve participar, para evitar que o interesse do capital predomine.



A colunista do Jornal Abaixo-Assinado (JAAJ) Jane Nascimento entrevistou Silvia Baptista, preta de ancestralidade quilombola, mestra em Ciências, doutoranda em Planejamento Urbano (UFRJ), participante na coletiva popular Teia de Solidariedade da Zona Oeste, nascida e criada nas Vargens. Silvia Baptista é militante do Sertão Carioca, da nossa Zona Oeste do Rio de Janeiro.

JAAJ – Como moradora que vai atrás dos direitos coletivos para a sua região, como você analisa o Plano Diretor da cidade do Rio de Janeiro?

Silvia Baptista – Há de fato um sentir-pensar coletivo. Temos nos debruçado sobre este tema na Teia de Solidariedade Zona Oeste, no Fórum Popular do Plano Diretor, e em uma série de encontros do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ). O Plano Diretor de veria ser um processo em que cada cidadã ou cidadão pudesse pensar a cidade a partir de seu lugar e de seus deslocamentos pelo Rio de Janeiro. Houve um debate para que o prefeito Eduardo Paes estendesse o prazo. No meu caso, questionei desde o início o formato digital em uma situação de grande exclusão digital da classe trabalhadora, da periferia, das favelas, dos quilombos. Esse processo não tem participação legítima, ocorreu de forma precipitada e, portanto, deixou a desejar.


JAAJ – Como você vê as audiências públicas sobre o Plano Diretor sob o olhar dos órgãos governamentais?

Silvia Baptista – Além do exposto na resposta anterior, identifica-se uma fragmentação dos temas em grupos de trabalho. Por exemplo, participei do Grupo 6, que tratava da Lei de Usos e Ocupação de Solos. Outros grupos discutiam temas convergentes como o ordenamento territorial e o zoneamento. Uma vez por semana havia uma proposta de apresentação dos resultados dos seis grupos. Porém, no formato digital, esses grupos, assim como as audiências, participaram mais como ouvintes dos técnicos do que para compreender as demandas e possibilidades da população organizada. O formato digital, além de cansativo, é pouco interativo. Em audiências públicas, grande parte do tempo foi empregada na exposição feita pelo executivo, que não soube (ou não quis) construir formas de comunicação popular para repassar os conteúdos com antecedência para a assimilação coletiva, deixando que a sociedade civil se manifestasse nas audiências.


JAAJ – A participação popular tem influenciado esse projeto?

Silvia Baptista – Não posso dizer que houve participação popular no processo de revisão o Plano Diretor. Há um grupo abnegado de militantes históricos tentando mitigar os possíveis danos à vida nas favelas, quilombos e demais assentamentos populares.


JAAJ – Caso tenha influenciado, como você avalia essa participação?

Silvia Baptista – A participação popular não é algo instantâneo. É um processo. Entendo que os governos anteriores do prefeito Eduardo Paes foram tão lesivos aos direitos da classe trabalhadora, que deixou um descrédito e um cansaço na luta pelo direito à cidade. Foram mais de 70 mil pessoas removidas arbitrariamente e com violência, e levadas para lugares sem infraestrutura, sem emprego, sem mobilidade, submetidas às forças paramilitares. Creio que isso provoca um trauma. Uma ferida no tecido social da cidade. Não seria com algumas enquetes malfeitas na internet que uma participação popular autônoma e crítica poderia ser restaurada. Precisaríamos de muito tempo e diversos compromissos mútuos. Mas isso não ocorreu. Eduardo Paes tem pressa e, mais uma vez, “atropelou” a democracia municipal.


JAAJ – Você acha que a pressão popular pode alterar algum princípio ou diretriz do Plano Diretor, em favor do povo?

Silvia Baptista – Eu acredito no poder popular. Trabalho e estudo com esse foco. Há a mais absoluta necessidade de nos debruçarmos sobre a organização popular autônoma. Estamos numa catástrofe mundial — só no Brasil há quase 600 mil mortes por uma doença evitável. Há fome. Há desemprego. Os acidentes climáticos avançam com velocidade assustadora. Então, não é apenas a cidade do Rio de Janeiro que precisamos mudar. É essencial construirmos [ontem] uma nova sociedade, e isso depende de nossa capacidade de avançar na organização do povo. Avante.


JAAJ – Você pode fazer uma síntese do que tem pensado e o que a preocupa sobre o plano popular em relação à Zona Oeste?

Silvia Baptista – Eu brinco que tem uma Zona Oeste Nutella (Barra da Tijuca e Recreio). Não falo destes bairros. Há uma disputa a respeito do que é a Zona Oeste. Falo a respeito de uma Zona Oeste raiz, do entorno imediato do Maciço da Pedra Branca à Santa Cruz, de Bangu a Guaratiba. Um recorte no qual você encontra níveis de exclusão social semelhantes, de desemprego, de baixa renda, de falta de saneamento. Para essa Zona Oeste haveria a necessidade de uma reparação orçamentária, mas não somente isso. A concentração do orçamento na região da Barra da Tijuca e o investimento no megaempreendimento dos jogos globais empurraram para Campo Grande e Santa Cruz uma população que tem urgência de comida, de água, de saneamento, de emprego, de mobilidade. E, para mim, isso requer solução imediata, é uma situação emergencial para o orçamento de 2022 e para o Plano Plurianual. Penso que a prioridade é Santa Cruz, Campo Grande. E esta deve ser o combate à extrema pobreza dentro de uma cidade RICA.

JAAJ – Como fazer isso, Silvia?

Silvia Baptista – É bem difícil, por conta do autoritarismo e da violência vigentes nesses territórios. Neste contexto, estamos investindo em novas formas de estruturação e privilegiando a organização das mulheres pretas, pobres e periféricas, com o apoio de mulheres antirracistas e de homens que se dediquem a entender como deixar a misoginia, o machismo e o patriarcado para contribuir com o empoderamento das mulheres em organizações populares. É um novo paradigma organizativo.

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