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  • Jornal Abaixo Assinado

Ecos de uma Chacina

* Por Leandro Vieira

Sábado, fim de ano, quase férias, várias festas na cidade, sambas, bailes, shows, zoeira por todos os lados… Você sai com seus amigos, vai para Madureira, área central do subúrbio, onde tudo acontece e as possibilidades são infinitas, você não tem muito dinheiro, mas um dos seus amigos tem um carro antigo, que com cinco amigos dentro parece que você está em uma Ferrari, a sensação de diversão em um carro lotado de amigos é fenomenal.

Vocês voltam, vão comer um lanche perto de casa, em Costa Barros, um carro da polícia passa e atira… uma, duas, três, quatro, cinco, mais de trinta vezes. Os cinco jovens morrem, os cinco sonhos acabam, o sábado de noite se encerra e vira uma nova semana para cinco famílias assoladas por dor e ódio. Quem paga essa conta?

Entre os jovens mortos, dois estudaram na escola estadual onde trabalho em Costa Barros/Pavuna, eles não foram os primeiros jovens assassinados esse ano em operações policiais na comunidade, foram sete da minha escola, a instituição já foi alvejada por disparos mais de cinco vezes no ano, alunos sendo ensinados desde muito cedo a naturalizar violência, injustiça, morte, sentindo na pele o porrete do estado, sentindo a corrupção na propina do PM, sentindo o descaso na escola furada de tiros e vendo como normal a dor da perda. Parte desses jovens não vão ver mais sonhos, parte desses jovens não vão ver mais futuro, a grande maioria desses jovens só vai ver ódio e uma geração de jovens com ódio é ruim para todo mundo.

Que me desculpem os amigos policiais civis, militares ou que possuem relações de afeto ou parentesco com os militares. Mas não tem mais condições de olhar na cara da instituição, se a polícia é reflexo da sociedade, é a da pior parte dela, se a polícia reflete aquilo que a sociedade deseja, o problema é que oferece só por uma vertente, para um lado. Morre jovem preto e pobre nas mãos dos detentores do uso legítimo da força, morre todo dia, morre o tempo todo.

Não tem como ter o mínimo de proximidade das dificuldades do serviço policial, não tem, não dá, se toda vida vale igual, que os policiais mostrem isso no cotidiano, não dá para exigir sentimentalidade, a revolta consome. Cada crime forjado, a cada máquina de furar sendo confundida com fuzil, a cada jovem sendo morto por sair do gueto determinado na favela, vai morrer mais policiais. Se as grades do condomínio são para trazer proteção, tem que lembrar que a empregada entra para lavar, o mototaxi para entregar e o segurança para “proteger”, não vai adiantar se refugiar, a sociedade do ódio está estabelecida no RJ faz muito tempo e um dia o morro vai descer e não vai ser carnaval, como canta Wilson das Neves. Se as condições policiais são falhas, falidas e quebradas, que comecemos pelo menos alterando o nosso discurso, que comecemos pelo menos a culpabilizar e problematizar os dois lados do jogo.

Vamos parar de querer justificar morte de favelado, dizendo que tava andando onde não devia, que estava com companhia errada e que tinha passagem pela polícia, se passagem pela polícia é legitimação para morte, eu quero ver playboy que briga em boate tomando bala no peito, não tem desculpa, não tem que fazer chacina, não tem que meter bala em pobre. Tem que se perceber que a morte do médico rico pedalando na lagoa, se inicia na morte do pobre em Costa Barros, que a mesma bala que é disparada na Serrinha bate no muro e volta na cabeça de um advogado em Ipanema.

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