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Janis Cassilia

STELLA DO PATROCÍNIO: MARGINALIZADA E POETISA

Atualizado: 8 de ago. de 2021

Stella do Patrocínio nasceu em 1941. Era uma mulher negra e pobre cujo sustento era mantido pelo seu serviço como empregada doméstica. Era solteira, gostava de óculos de sol, caixa de fósforo, cigarro, Coca-Cola, leite condensado e biscoito de chocolate. Era alta e tinha porte de rainha. Não sabemos muito de sua história antes da internação. Em sua Ficha de Informação havia apenas que foi abordada pela polícia no bairro de Botafogo, em 1962, quando pretendia tomar um ônibus para a Central do Brasil. Levada pela viatura policial até o Pronto de Socorro mais próximo, foi encaminhada ao Centro Psiquiátrico Pedro II, no Engenho de Dentro, onde se tornou um “sujeito psiquiatrizado”. Em 1966, foi transferida para o Núcleo Teixeira Brandão, na Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, local em que ficou até sua morte em 1992. Junta de Stella viviam outros quase 6 mil internos no complexo de hospitais da Colônia. Encarcerados, esquecidos e marginalizados.


O perfil de Stella é o mais encontrado nos arquivos de hospitais psiquiátricos durante o século XX: mulheres negras e pobres, muitas analfabetas, que sabiam, talvez, assinar apenas o próprio nome. Consideradas indigentes, passaram longo tempo internadas, sem visitas regulares e com poucas anotações médicas em seus prontuários. Períodos de 10, 20 anos ou mais de internação que se refletem em prontuários vazios, quase em branco, muitos sem fotos, com informações escassas (diagnósticos, evasões, alguns exames ou anotações de tratamento e por fim o motivo da morte). Eram enterradas como indigentes. Esses prontuários expressam a ausência de voz dessas mulheres, silenciadas pelo sistema manicomial.


A história de Stella teria o mesmo fim que tantas outras mulheres institucionalizadas se não fosse os esforços de técnicos, médicos, familiares e indivíduos contra o modelo manicomial psiquiátrico da época. Junto de outras mulheres participou do “Projeto de Livre Criação Artística” que funcionou na Colônia entre 1986 e 1988, conseguindo através da poesia que sua voz fosse ouvida. O seu falatório (oratória) expressa críticas à vida dentro da Colônia, ao controle de sua vida, corpo e à sociedade. Com a interrupção do projeto em 1989, foi realizada uma exposição com os principais trabalhos no Museu do Paço Imperial, entre eles o de Stella. Junto dela é importante mencionar o nome das outras artistas: Iracema Conceição dos Santos, Maria Hortência Bandeira da Costa, Maria José, Carolina Vieira Machado, Januária Marta de Souza e Simone Faria Maciel.


O trabalho de registro do falatório de Stella do Patrocínio continuou entre 1990 e 1991 resultando entre outros produtos em um livro de poesias transcritas dos áudios dos falatórios de Stella, intitulado “Versos, reversos, pensamentos e algo mais …” (1991). Mais livros e homenagens foram criados e realizados após sua morte. Neste mês de reflexão sobre a luta pelos direitos das mulheres, personagens como Stella do Patrocínio que mantiveram suas vozes, em meio a uma morte social, são importantes para entendermos e refletirmos sobre a nossa sociedade atual. Para além da luta manicomial pelo qual Stella é um dos ícones e destaque, esta mulher negra e pobre tornou-se uma voz poderosa.

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