O RECREIO ANTES DO RECREIO: VESTÍGIOS DA PRESENÇA INDÍGENA E O MORRO DO RANGEL
É comum a afirmação de que antes do século XX a região onde está situado o bairro do Recreio dos Bandeirantes teria permanecido isolada por muitos anos. E a ocupação humana digna de nota teria começado apenas com as ações de empresas e investidores do ramo imobiliário. Estes são descritos como verdadeiros desbravadores de uma natureza intocada, cuja maior façanha foi a gradativa mercantilização da terra e formação de um mercado imobiliário neste recanto da terra carioca. Desta forma, nomes como J. Weslley Fynch, Banco de Crédito Móvel, Raul Goulart, Pasquale Mauro, Holofernes de Castro e Sérgio Castro acabaram sendo consolidados nas narrativas sobre a história do bairro.
Ponto em comum nas diferentes versões sobre a origem do nome do bairro Recreio dos Bandeirantes é a menção à presença de paulistas nas praias do Pontal de Sernambetiba nas primeiras décadas do século XX, seja fazendo excursões, seja alugando ou adquirindo casas de veraneio. Daí viria o nome Recreio dos Bandeirantes. Desta forma, sobre a ocupação humana na região, a situação não é diferente: ponto em comum é a menção à supostos proprietários e a uma série de transações imobiliárias.
Joseph Weslley Fynch adquiriu na década de 1920 uma gleba do desmembramento de uma antiga fazenda no Pontal de Sernambetiba, antes pertencente ao Banco de Crédito Móvel. Este, por sua vez, teria adquirido terras da mesma fazenda junto ao professor Raul Goulart. Ao que tudo indica, o imbróglio decorrente de nebulosas transações imobiliárias não ficou restrito apenas à Barra da Tijuca, estendeu-se até o Recreio dos Bandeirantes.
Se a história recente (cerca de 100 anos) e nome do bairro do Recreio dos Bandeirantes está na produção e comercialização imobiliárias de meados do século XX na cidade do Rio de Janeiro, os nomes de localidades do bairro e proximidades fazem referência a um passado para além dos limites do século XX, da mercantilização desenfreada da terra e dos projetos de urbanização: Itapuã, Itaúna, Itapeba, Sernambetiba, Currupira, Caetés e Piábas são testemunhos da importância da presença dos povos originários na ocupação humana da região ao longo do tempo.
A expressividade do vocabulário do tronco linguístico tupi indica que mesmo tendo sofrido derrotas e perdido territórios desde o século XVI para os invasores portugueses, as populações originárias continuaram capazes de influenciar na formação da cultura da sociedade colonial da zona oeste carioca. Segundo relatos de moradores antigos, o bairro no passado teria o nome de Currupira ou Corrupira, influência forte da cultura indígena local que a colonização portuguesa não conseguiu apagar.
Já o morro do Rangel faz referência a Julião Rangel de Macedo, militar português que lutou durante o século XVI nas guerras de invasão e conquista dos territórios Tamoios situados na atual cidade do Rio de Janeiro. Junto de Jerônimo Fernandes, Julião Rangel foi um dos primeiros sesmeiros de toda a Baixada de Jacarepaguá, região onde no século XVI estava situada as famosas Aldeias de Guaraguassumirim e Takuarussutyba.
Por outro lado, a área do morro possui várias grutas e abrigos sobre as rochas, onde foram realizadas pesquisas arqueológicas desde a década de 1960. Lá foram encontrados vestígios das culturas Tamoio e dos povos construtores de sambaquis em grutas descobertas na década de 1970. Em 1975 a área do morro do Rangel foi declarada bem tombado do Estado da Guanabara, antiga denominação da cidade do Rio de Janeiro durante a ditadura civil-militar.
O tombamento do morro do Rangel fez parte de um conjunto de ações de preservação inaugurados pelo antigo Estado da Guanabara, cuja proposta foi proteger determinados sítios naturais para a valorização das condições históricas, paisagísticas e ambientais da região, evitando a transformação completa da paisagem pela urbanização e avanço das construções imobiliárias.
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